Por Redação | Pressão24h
A infiltração do crime organizado no setor de combustíveis deixou de ser um alerta e se tornou uma dura realidade também na Bahia. Dados obtidos com exclusividade revelam que pelo menos 103 postos de combustíveis no estado já estão sob influência direta ou indireta de facções criminosas, colocando a Bahia entre os quatro estados mais críticos do país nesse cenário alarmante.

No ranking nacional, São Paulo lidera com 290 postos sob domínio do crime, seguido de Goiás (163), Rio de Janeiro (146) e a própria Bahia. No total, são 941 estabelecimentos em todo o Brasil ligados de alguma forma a organizações criminosas como o PCC, Comando Vermelho e Família do Norte, seja por meio de laranjas, empresários com passagens pela polícia, lavagem de dinheiro ou atuação direta em redes de abastecimento.
Postos sob domínio: um novo mapa do crime
A atuação das facções no setor não se resume ao tráfico de drogas ou armas. Segundo especialistas, o crime organizado se reinventou e encontrou no setor de combustíveis uma forma eficaz de lavar dinheiro, expandir sua presença pelo interior do país e, principalmente, dominar territórios econômicos antes controlados pelo Estado.

Na Bahia, o número de postos associados a facções representa uma ameaça crescente. Com base em investigações e cruzamento de dados envolvendo participações societárias suspeitas, movimentações atípicas, ausência de emissão de notas fiscais e histórico criminal dos sócios, a estimativa de 103 postos ligados ao crime pode, inclusive, estar subestimada, segundo fontes ligadas ao setor.
Lavagem de dinheiro e economia paralela
De acordo com o economista Hugo Garbe, o problema não se limita ao domínio territorial. A prática da lavagem de dinheiro por meio dos postos permite que facções movimentem bilhões de reais sem levantar suspeitas, ao mesmo tempo em que desestimulam a concorrência legal.
“O que se observa é uma estratégia bem definida: empresas são abertas com sócios fictícios, operam por alguns anos sonegando impostos, acumulam dívidas bilionárias com a Receita, e depois simplesmente desaparecem. Em seguida, voltam com novo CNPJ e o mesmo modus operandi”, explica Garbe.

Na Bahia, segundo estimativas do setor, a dívida ativa das empresas de combustíveis pode ultrapassar os R$ 8 bilhões, parte dela associada a grupos devedores contumazes — empresas que fazem da inadimplência uma estratégia de negócio.
Segurança pública em risco
Para o especialista em segurança pública Welliton Caixeta Maciel, o avanço das facções nesse setor é consequência da fragilidade na fiscalização e da ausência de um sistema nacional de controle em tempo real. Ele explica que o processo começou nos anos 1990, mas se intensificou nos últimos cinco anos com a repressão ao tráfico tradicional.
“Essas organizações encontraram nos postos uma estrutura perfeita para cooptar membros, escoar lucros ilícitos e garantir presença em regiões estratégicas. Na Bahia, especialmente no interior e em áreas periféricas de grandes cidades, há indícios claros dessa atuação”, aponta Maciel.
A situação é ainda mais preocupante quando se analisa o vínculo desses postos com contratos públicos, licitações de fornecimento de combustível a prefeituras e até abastecimento de frotas públicas, o que pode envolver conivência ou omissão de autoridades locais.
O que está sendo feito?
O Ministério da Justiça afirma estar ciente do problema e diz ter criado um grupo de trabalho específico para tratar da infiltração do crime organizado no setor de combustíveis. Segundo o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, operações integradas como a Protetor de Fronteiras e Divisas têm foco na logística rodoviária e marítima de combustíveis ilegais.
Entretanto, a atuação na Bahia ainda é tímida. Fontes ligadas ao setor apontam a ausência de operações federais robustas no estado e denunciam que ações da Polícia Civil e da Secretaria de Fazenda não têm sido suficientes para coibir fraudes, adulterações e sonegação.
Perdas bilionárias e impacto social
Estima-se que as fraudes no setor de combustíveis causem entre R$ 13 e R$ 23 bilhões em prejuízos anuais ao Brasil, sendo que só com a sonegação de impostos, o país deixa de arrecadar o suficiente para construir hospitais, escolas e investir em segurança pública. Só na Bahia, esse rombo pode ultrapassar R$ 1 bilhão por ano.

“O impacto não é só econômico. É social. Cada litro de combustível sonegado representa menos merenda escolar, menos policiamento nas ruas, menos remédios nos hospitais”, lamenta o economista Hugo Garbe.
O que diz o setor?
O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, aponta que a cadeia produtiva está doente e exige ação imediata. “Temos adulteração de combustíveis, roubo de cargas, bombas fraudadas, venda sem nota fiscal, tudo isso alimentado por organizações criminosas que já operam com mais força que muitas empresas sérias do setor”, destaca.
O ICL defende a aprovação de projetos de lei que tipifiquem o devedor contumaz e modernizem a fiscalização tributária, como o PLP 125/22 e o PLP 164/22.
Conclusão: a Bahia no centro de um sistema corrompido
A presença de mais de 100 postos ligados ao crime organizado na Bahia revela um retrato preocupante: a conivência, a omissão e a ineficiência do Estado têm permitido que facções ampliem seu poder, agora também pelo combustível que abastece o país.
É urgente que o governo estadual e federal enfrentem essa infiltração com rigor, transparência e tecnologia, antes que o setor seja tomado completamente. A população não pode continuar abastecendo veículos em postos que financiam o crime, alimentam a violência e destroem a economia da Bahia.